31/05/2019
Carf permite aproveitamento de IR pago no exterior por meio de apostilamento
Por Ricardo Rodriguez e Priscila Figueiredo
A tributação de renda das pessoas jurídicas residentes e domiciliadas no Brasil é regida, dentre diversos princípios norteadores, pelo princípio da universalidade também denominado world-wide income taxation, que veio a substituir o tradicional princípio da territorialidade (atualmente não seguido por nenhum país com economia similar à brasileira), o qual delimitava que apenas eram sujeitos à tributação os rendimentos auferidos no respectivo território nacional.
O princípio da universalidade, em sua acepção espacial, dá norte ao legislador ordinário para que este alcance, além dos rendimentos no território nacional, também os rendimentos auferidos no exterior. Sobre o tema, a ministra Regina Helena Costa[1] assim pontua: quanto ao aspecto espacial, este é o território nacional, ainda que seja possível a tributação de renda obtida no exterior, respeitados os acordos que visam evitar a bitributação, em função do mesmo critério da universalidade.
Valendo-nos das lições do saudoso professor Alberto Xavier ao abordar a adoção do princípio da universalidade no Brasil[2], o autor pontua que uma de suas primeiras manifestações em nosso arcabouço legal foi na edição do Decreto 2.413/88, que veio a alterar o Decreto 2.397/87, a fim de computar no lucro tributável o resultado das subsidiárias no exterior.
No Brasil, o princípio da universalidade é atualmente previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 25 da Lei 9.249/95, veja-se:
Art. 25 Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.
Resta autorizada a compensação do imposto incidente no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no lucro real, nos termos do artigo 26, caput[3]:
(...) Art. 26. A pessoa jurídica poderá compensar o imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real, até o limite do imposto de renda incidente, no Brasil, sobre os referidos lucros, rendimentos ou ganhos de capital.
(...)
§ 2º Para fins de compensação, o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior deverá ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto grifo nosso.
Nota-se, analisando o artigo 26 da Lei 9.249/95, que é permitido, desde que atendidos determinados limites e requisitos, que o Imposto de Renda incidente sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior seja compensado com o imposto devido no Brasil na apuração do lucro real.
Verificando o teor do parágrafo 2º retro, a condição para que a pessoa jurídica possa efetuar a compensação é que o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior seja reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido.
Ato contínuo, o inciso II do parágrafo 2º, artigo 16, da Lei 9.430/96 dispensa a obrigação da consularização quando a pessoa jurídica comprovar que a legislação do país de origem prevê a incidência do Imposto de Renda na operação. Veja-se:
II - fica dispensada da obrigação a que se refere o § 2º do art. 26 da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995, quando comprovar que a legislação do país de origem do lucro, rendimento ou ganho de capital prevê a incidência do imposto de renda que houver sido pago, por meio do documento de arrecadação apresentado.
Neste contexto legal, resta dispensada da obrigação a que se refere o parágrafo 2º do artigo 26 da Lei 9.249/1995, quando se comprovar que a legislação do país estrangeiro prevê o pagamento do imposto por meio de guia de recolhimento por documento próprio de arrecadação. Neste particular, essa dispensa não é usualmente aplicada no Brasil, haja vista que o imposto nas demais jurisdições não costuma ser recolhido via documento arrecadatório utiliza-se, por exemplo, transferência bancária.
Sobre este tema, é importante pontuar a existência do Decreto 8.660/16, que promulgou a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Documentos Públicos Estrangeiros (Convenção da Apostila), firmada pelo Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961, que permitiu a substituição do reconhecimento do documento de arrecadação no consulado da embaixada brasileira pelo procedimento de apostilamento[4]. Nesta hipótese, frisa-se, resta dispensado o reconhecimento pelo consulado, mas não a apresentação do documento de arrecadação quitado.
Ao se debruçar sobre o tema, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit 185/18, proferiu entendimento de que o reconhecimento do documento que comprova o recolhimento ou arrecadação do imposto de renda pago no exterior pelo Consulado da Embaixada Brasileira pode ser substituído pela apostila, de que trata a Convenção....
Especificamente acerca do procedimento de apostila, trata-se de um processo de autenticidade de documentos efetuada em cartório. No processo estabelecido pela Convenção da Apostila, passam a ser aceitos, no Brasil, documentos estrangeiros contendo Apostila emitida por um dos Estados-partes, dispensando a necessidade de sua legalização em repartições da rede consular brasileira no exterior[5].
Apesar do efeito vinculante da solução de consulta em comento[6], temos conhecimento de que a Receita entende que o apostilamento seria insuficiente para a compensação do imposto, mantendo a exigência de consularização do documento de arrecadação no país, sob o argumento de que o artigo 26, parágrafo 2º da Lei 9.249/95 não foi alterado e continua em vigor.
No entanto, analisando o tema pela primeira vez, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dispensou a necessidade de consularização ao reconhecer a validade[7] da Convenção da Apostila, de forma a permitir, para fins de compensação no Brasil de imposto recolhido no exterior, a apresentação de comprovante de recolhimento com certificação em cartório estrangeiro (Apostila). Na decisão, ainda restou definido que o apostilamento pode ser efetuado no próprio documento ou folha apensa, com o título Apostila, em língua local, devidamente traduzido para o português por tradutor juramentado.
Portanto, julgamos acertada a decisão do Carf que aplicou, para fins de dedução no Brasil do Imposto de Renda recolhido no exterior, a desburocratização prevista na Convenção da Apostila, o qual tornou desnecessária a consularização do documento de arrecadação no exterior.
No entanto, é preocupante o fato de o Brasil, apesar de signatário de convenções internacionais com viés de desburocratização, permanecer, na figura de seus agentes públicos, limitando a utilização de tais disposições em total descumprimento aos preceitos dos acordos internacionais firmados pelo Executivo.
[1] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. ver, e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 366.
[2] XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 8ª ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro, p. 435.
[3] Este artigo resta normatizado pela Instrução Normativa RFB 213/02, segundo o qual o tributo pago no exterior, passível de compensação, será proporcional ao montante de lucros, rendimentos, ou ganhos de capital que houverem sido computados no lucro real. Ademais, o valor do tributo pago no exterior, a ser compensado, não poderá exceder o montante do imposto de renda e adicional, devidos no Brasil, sobre o valor dos lucros, rendimentos e ganhos de capital incluídos na apuração do lucro real.
[4] O Brasil também é signatário do Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa com os países do Mercosul, Bolívia e Chile (Decreto 6.891/09); o Acordo de Cooperação em Matéria Civil com a República Francesa (Decreto 3.598/00); e o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, com o Reino da Espanha (Decreto 166/91).
[5] Em sentido contrário, os documentos com o carimbo da Apostila efetuado no Brasil passam a ter validade imediata em todos os demais Estados-partes da convenção.
[6] Vide artigo 9º da Instrução Normativa RFB 1.396/13.
[7] Processo 10166.723066/201799 Sessão de julgamento em 23/1/2019.
A tributação de renda das pessoas jurídicas residentes e domiciliadas no Brasil é regida, dentre diversos princípios norteadores, pelo princípio da universalidade também denominado world-wide income taxation, que veio a substituir o tradicional princípio da territorialidade (atualmente não seguido por nenhum país com economia similar à brasileira), o qual delimitava que apenas eram sujeitos à tributação os rendimentos auferidos no respectivo território nacional.
O princípio da universalidade, em sua acepção espacial, dá norte ao legislador ordinário para que este alcance, além dos rendimentos no território nacional, também os rendimentos auferidos no exterior. Sobre o tema, a ministra Regina Helena Costa[1] assim pontua: quanto ao aspecto espacial, este é o território nacional, ainda que seja possível a tributação de renda obtida no exterior, respeitados os acordos que visam evitar a bitributação, em função do mesmo critério da universalidade.
Valendo-nos das lições do saudoso professor Alberto Xavier ao abordar a adoção do princípio da universalidade no Brasil[2], o autor pontua que uma de suas primeiras manifestações em nosso arcabouço legal foi na edição do Decreto 2.413/88, que veio a alterar o Decreto 2.397/87, a fim de computar no lucro tributável o resultado das subsidiárias no exterior.
No Brasil, o princípio da universalidade é atualmente previsto em nosso ordenamento jurídico no artigo 25 da Lei 9.249/95, veja-se:
Art. 25 Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.
Resta autorizada a compensação do imposto incidente no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no lucro real, nos termos do artigo 26, caput[3]:
(...) Art. 26. A pessoa jurídica poderá compensar o imposto de renda incidente, no exterior, sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital computados no lucro real, até o limite do imposto de renda incidente, no Brasil, sobre os referidos lucros, rendimentos ou ganhos de capital.
(...)
§ 2º Para fins de compensação, o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior deverá ser reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo Consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido o imposto grifo nosso.
Nota-se, analisando o artigo 26 da Lei 9.249/95, que é permitido, desde que atendidos determinados limites e requisitos, que o Imposto de Renda incidente sobre os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior seja compensado com o imposto devido no Brasil na apuração do lucro real.
Verificando o teor do parágrafo 2º retro, a condição para que a pessoa jurídica possa efetuar a compensação é que o documento relativo ao imposto de renda incidente no exterior seja reconhecido pelo respectivo órgão arrecadador e pelo consulado da Embaixada Brasileira no país em que for devido.
Ato contínuo, o inciso II do parágrafo 2º, artigo 16, da Lei 9.430/96 dispensa a obrigação da consularização quando a pessoa jurídica comprovar que a legislação do país de origem prevê a incidência do Imposto de Renda na operação. Veja-se:
II - fica dispensada da obrigação a que se refere o § 2º do art. 26 da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995, quando comprovar que a legislação do país de origem do lucro, rendimento ou ganho de capital prevê a incidência do imposto de renda que houver sido pago, por meio do documento de arrecadação apresentado.
Neste contexto legal, resta dispensada da obrigação a que se refere o parágrafo 2º do artigo 26 da Lei 9.249/1995, quando se comprovar que a legislação do país estrangeiro prevê o pagamento do imposto por meio de guia de recolhimento por documento próprio de arrecadação. Neste particular, essa dispensa não é usualmente aplicada no Brasil, haja vista que o imposto nas demais jurisdições não costuma ser recolhido via documento arrecadatório utiliza-se, por exemplo, transferência bancária.
Sobre este tema, é importante pontuar a existência do Decreto 8.660/16, que promulgou a Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Documentos Públicos Estrangeiros (Convenção da Apostila), firmada pelo Brasil, em Haia, em 5 de outubro de 1961, que permitiu a substituição do reconhecimento do documento de arrecadação no consulado da embaixada brasileira pelo procedimento de apostilamento[4]. Nesta hipótese, frisa-se, resta dispensado o reconhecimento pelo consulado, mas não a apresentação do documento de arrecadação quitado.
Ao se debruçar sobre o tema, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta Cosit 185/18, proferiu entendimento de que o reconhecimento do documento que comprova o recolhimento ou arrecadação do imposto de renda pago no exterior pelo Consulado da Embaixada Brasileira pode ser substituído pela apostila, de que trata a Convenção....
Especificamente acerca do procedimento de apostila, trata-se de um processo de autenticidade de documentos efetuada em cartório. No processo estabelecido pela Convenção da Apostila, passam a ser aceitos, no Brasil, documentos estrangeiros contendo Apostila emitida por um dos Estados-partes, dispensando a necessidade de sua legalização em repartições da rede consular brasileira no exterior[5].
Apesar do efeito vinculante da solução de consulta em comento[6], temos conhecimento de que a Receita entende que o apostilamento seria insuficiente para a compensação do imposto, mantendo a exigência de consularização do documento de arrecadação no país, sob o argumento de que o artigo 26, parágrafo 2º da Lei 9.249/95 não foi alterado e continua em vigor.
No entanto, analisando o tema pela primeira vez, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dispensou a necessidade de consularização ao reconhecer a validade[7] da Convenção da Apostila, de forma a permitir, para fins de compensação no Brasil de imposto recolhido no exterior, a apresentação de comprovante de recolhimento com certificação em cartório estrangeiro (Apostila). Na decisão, ainda restou definido que o apostilamento pode ser efetuado no próprio documento ou folha apensa, com o título Apostila, em língua local, devidamente traduzido para o português por tradutor juramentado.
Portanto, julgamos acertada a decisão do Carf que aplicou, para fins de dedução no Brasil do Imposto de Renda recolhido no exterior, a desburocratização prevista na Convenção da Apostila, o qual tornou desnecessária a consularização do documento de arrecadação no exterior.
No entanto, é preocupante o fato de o Brasil, apesar de signatário de convenções internacionais com viés de desburocratização, permanecer, na figura de seus agentes públicos, limitando a utilização de tais disposições em total descumprimento aos preceitos dos acordos internacionais firmados pelo Executivo.
[1] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 6ª ed. ver, e atual. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 366.
[2] XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 8ª ed. Ver. E atual. Rio de Janeiro, p. 435.
[3] Este artigo resta normatizado pela Instrução Normativa RFB 213/02, segundo o qual o tributo pago no exterior, passível de compensação, será proporcional ao montante de lucros, rendimentos, ou ganhos de capital que houverem sido computados no lucro real. Ademais, o valor do tributo pago no exterior, a ser compensado, não poderá exceder o montante do imposto de renda e adicional, devidos no Brasil, sobre o valor dos lucros, rendimentos e ganhos de capital incluídos na apuração do lucro real.
[4] O Brasil também é signatário do Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa com os países do Mercosul, Bolívia e Chile (Decreto 6.891/09); o Acordo de Cooperação em Matéria Civil com a República Francesa (Decreto 3.598/00); e o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, com o Reino da Espanha (Decreto 166/91).
[5] Em sentido contrário, os documentos com o carimbo da Apostila efetuado no Brasil passam a ter validade imediata em todos os demais Estados-partes da convenção.
[6] Vide artigo 9º da Instrução Normativa RFB 1.396/13.
[7] Processo 10166.723066/201799 Sessão de julgamento em 23/1/2019.
Fonte:
Consultor Jurídico
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